por CARLOS ALBERTO DE SOUSA
Com o advento da Carta Magna de 1988, que no próximo dia 5 de outubro completará 21 anos, houve uma mudança radical no sistema político-administrativo do Brasil. Há que se verificar que outrora os Municípios eram entidades biônicas dos Estados, do mesmo modo os Estados era biônico da União, em suma vivíamos um Estado Unitário, no qual as regras eram ditadas pelo Governo Federal, estávamos no Estado Militar e Policialesco, onde os direitos individuais eram tolhidos. Os mais idosos devem se lembrar do Senador Biônico, deputado Biônico, Prefeitos Biônicos.
Pois bem, no novo ordenamento jurídico vieram os entes federados (União, Distrito Federal, Estados-Membros e Municípios) todos com autonomia político-administrativa (art. 18 CF/88). È como se os municípios fossem pessoas com menos de 18 Anos de idade e que estivesse sob o julgo de seus pais ou tutores e com o advento da constituição passaram à maioridade, ou seja, chegaram aos vinte e um anos, com plenos poderes e direitos.
Ocorre que a massa ainda não se deu conta disto de que os tacões alvitantes ficaram no passado, que hoje vivemos um Estado Democrático e Social de Direito.
Mas retornando à seara constitucional, observamos que a redação dada no artigo 1º e 18 da CF/88 é no sentido de “ESTADO”. O conceito de Estado engloba municípios, estados e União.
A Constituição Federal também estabelece, no art. 23, inciso I, que é competência comum da União, estados e municípios zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público.
Complementando, o art. 30, inciso I, da CF, autoriza os municípios a legislarem sobre questões locais e segurança pública é um do interesses locais, Portanto, os municípios podem legislar sobre o tema.
Por outro lado, se os municípios podem propor ação civil pública, participarem da saúde, educação, assistência social, não é crível sustentar que não podem atuar na área segurança pública. Ademais criar políticas de desenvolvimento urbano com objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes é atribuição exclusiva do Chefe do Poder Público Municipal (art. 182 CF/88).
Na verdade o termo Poder de Polícia é muito mal utilizado em nosso país, mas autores da lavra de Celso Antônio Bandeira de MELLO[1], destaca que no Estado Liberal-capitalista, a polícia é uma tarefa única, quando não única do Estado(art. 1º e 18 da CF88): assim sendo o poder de polícia administrativo é:
...a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção ("non facere") a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo.
Já sob o ponto de vista legal, o único conceito encontrado no ordenamento jurídico brasileiro, é o expresso no Art. 78 do Código Tributário Nacional, da Lei Federal 5172/66, vejamos:
Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão do interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
Ou seja, tanto o conceito doutrinário como o conceito legal, aponta para o fato do poder de polícia ser um atributo da administração pública, limitador da liberdade e da propriedade, exercido com base no interesse público, expresso de diversas formas, sejam normativas ou executivas, auto-executório e, finalmente, limitado pela lei. Mesmo sendo de exercício discricionário, o poder de polícia é limitado pela legalidade e seus princípios correlatos[2] ,
No tocante ao ônus da prova, devemos observar que os atos administrativos nascem arraigados pelo princípio da sinceridade, também chamada de presunção de legitimidade que é um atributo específico dos atos administrativos, pois estes além de serem tidos como válidos, presumem-se legítimos.
Ocorre que esta presunção é iuris tantum, assim, se o ato estiver em desacordo com o ordenamento jurídico pode ser invalidado, desde que comprovada a referida ilegitimidade e a autoridade competente o declare, que pode ser a própria Administração (Súmula 346 e 473, STF) ou o Poder Judiciário exercendo sua atividade jurisdicional ao ser chamado para aplicar ao direito ao caso concreto, ressalvado a própria analise de mérito.
De acordo com o ensinamento de Odete Medauer[3], esse atributo não tem o condão de fazer com que seja desnecessária a motivação do ato pela Administração Pública, essa falsa conclusão extraída tem como óbice o simples fato da motivação constituir elemento sine qua non do ato administrativo.
Fundamenta-se esta premissa de legitimidade sob vários aspectos, os mais importantes derivam do fato de os atos, ao serem editados, obedecerem formalidades e procedimentos específicos, devido a sujeição da Administração Pública ao princípio da legalidade estrita e, também, principalmente pela geração de efeitos erga omnes, uma vez que confere maior segurança jurídica para a atividade estatal em realizar a sua função de satisfazer os interesses públicos, em outras palavras, na condução da atividade administrativa para que sejam cumpridos os fins previsto em lei, consoante magistério do Professor Marcus Vinícius Corrêa Bittencourt[4].
Desta atribuição decorrem as seguintes consequências: o ato deve ser cumprido até ser decretado ilegítimo, a nulidade só pode ser decretada pelo Poder Judiciário se provocado para este fim e a inversão do ônus da prova.
Celso Antônio Bandeira de Mello[5] estabelece que a presunção de legitimidade é a qualidade que reveste os atos de se presumirem verdadeiros e conforme o Direito.
A presunção de legalidade diz respeito à conformidade do ato com a lei e a presunção de veracidade diz respeito à certeza que os atos administrativos foram editados de acordo com o mundo dos fatos.
Destarte sendo o Ato Administrativo arraigado pelo princípio da legitimidade, há a inversão do onus probandi, conforme determina o artigo 334, IV do CPC.
O sábio Saudoso Professor Hely Lopes Meirelles[6] sustenta que o ato é válido até pronunciamento judicial que efetivamente o declare nulo, ou seja, somente com sentença judicial transitada em julgado, só podendo sustar a eficácia do ato com medida liminar, sendo que cabe ao administrado provar que o ato é ilegítimo. Por sua vez, Marçal Justen Filho[7] discorre que o ônus é de quem alega, sendo que a presunção de veracidade permanece em juízo e de legalidade cabe a Administração Pública provar.
Lúcia Valle Figueiredo[8] vai mais longe, explicando que o ato administrativo se presume de acordo com o ordenamento jurídico até o ato ser contestado, não só em juízo, mas também perante o Tribunal de Contas e na própria esfera administrativa.
Já Maria Sylvia Zanella di Pietro[9] afirma que a presunção de veracidade inverte o ônus da prova e na presunção de legalidade não há fato para ser provado, tendo em vista que a prova só possui o mister de demonstrar existência, conteúdo e extensão de fato jurídico lato senso e a presunção de legalidade é somente a adeqüação do fato ao ordenamento jurídico, portanto, não há que se falar em onus probandi, mas ônus de agir.
Diante disto se conclui que os Municípios têm Poder de Polícia Administrativa, no exercício dele pode efetuar apreensões, demolir construções irregulares, destruir CD, DVD, fechar acessos, caçar licenças, entre outras atividades inerentes ao município e todas aas suas ações são legitimas cabendo ao administrado provar que a administração está errada, que o ato administrativo está eivado de vício.
Carlos Alberto de Sousa, Bel em Direito, PosGraduado em Direitos Humanos, Militar da Reserva do Exército e da PMESP, Conselheiro de Direitos Humanos, Anti-Drogas, de Meio Ambiente e de Segurança Urbana, atual SubCmt da GCM Poá.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12ª edição. Malheiros, São Paulo – SP, 2000
[2] Notadamente os princípios da finalidade, da proporcionalidade, da razoabilidade e da motivação, que não sendo cumpridos poderão ensejar questionamento judicial, e por via de conseqüência anulação do ato por desvio ou abuso de poder. Há uma grande controvérsia doutrinária sobre a possibilidade ou não de intervenção do poder judiciário nos atos discricionários do executivo, especialmente em matéria de mérito, tendo em vista que isto ensejaria um desrespeito ao princípio liberal da independência dos poderes. Como bem destaca Victor Nunes LEAL, desde o famoso acórdão de SEABRA FAGUNDES na apelação cível n.º 1.422, tal entendimento encontra-se hoje superado: "os atos discricionários da administração escapam à revisão do judiciário, o mesmo acontecendo com os aspectos discricionários dos atos vinculados. Entretanto, segundo esclarece o des. SEABRA FAGUNDES, apoiado nos melhores autores, «no que concerne à competência, à finalidade e à forma, o ato discricionário está tão sujeito aos textos legais como qualquer outro». Quanto à finalidade dos atos administrativos (discricionários ou viculados), está ela sempre expressa ou implícita na lei; por isso mesmo, o fim legal, que é necessariamente um fim de interesse público também constitui aspecto vinculado dos atos discricionários suscetíveis, portanto, de apreciação jurisdicional." (LEAL, Victor Nunes. Poder Discricionário e Ação Arbitrária da Administração. Panteão dos Clássicos. Disponível em <http://www,planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev-35/panteão.htm> acessado em 04/12/2004).
[3] MEDAUER, Odete. Direito Administrativo Brasileiro. 9. ed. São Paulo: RT, 2005.
[4] BITTENCOURT, Marcus Vinícius Corrêa. Manual de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2005.
[5] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
[7] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
[8] FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. Rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000.
[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2003.
terça-feira, 22 de setembro de 2009
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